"Eu me deixo ser." C.L.

É considerado morte tomar café da manhã na cama enquanto assiste e, de 'consciência' retomada, perceber que já anoiteceu? Que um dia inteiro fluir e vários movimentos, ações, caminhadas foram feitas durante essas horas, árvores balançaram muitas vezes em diferentes direções, cachorros correram atrás de outros e, mesmo excluso de toda essa folia, a inércia  te é confortável? Isso não é morrer também?
Casos, atos, acontecimentos, entes somem.
A cada balancear  de amendoeira da rua vizinha,
Mas sempre somem deixando rastros de pães.
Pães caseiros e únicos, acrescidos de sabedoria, manias, medos, cheiros, texturas, sons.
Em 2005, um gato sumiu. Acho que levou com ele uma lã invisível cuja ponta ficou dentro de um quarto amarelo cheio de luz do sol. Esse fio de linha cantava ' A sua' de Marisa Monte. Uma garotinha se agarrou a voz da lã e de tanta dor transformou aquele artefato multiutilitário em um belo cachecol pra dois e até os dias de hoje - pouco usado para não desbotar- é usado pra simbolizar o amor real de irmãs de alma.
Quando a senhora da rua I sumiu em seus sonhos espalhar um cheiro de perfumes que marcavam as suas filhas pela casa, escreveu n ar ( em meio ao jardim) histórias de hospital, e no ouvido de quem observava incrédulo seu sono deixou ouvir conversa de botequim.
Houve um tempo em que amigas falavam sobre tudo: " Abacates sem açúcar -  melhor lanche da madrugada", "1º transa com o sol", "O beijo entre elas mesmas", "a paixão pelo marido da bruxa", " a morte e os caminhos que traziam ela". Elas sabiam que quando ela chegasse, aquelas amigas fariam um vídeo de faxina em seu quarto, e que quando - ao sétimo mês -fosse levada pela morte, Caetano lançaria Gayanna (uma espécie de presente divino), que as cebolas nunca mais seriam descascadas sem uma pancada de faca e as formas de bolo seriam untadas com filtro de café.
Há pouco, uma guerreira sumiu. Tecnicamente, temos todo o mapa de como ela conseguiu sumir. seguimos tudo, tudo! Mas, contê-la era impossível. Um sumiço que vem como asas e força não há natureza humana que impeça. Algumas pessoas ainda não entenderam que o sumiço foi validade. Porque, apesar de todos os cheiros, palavras, ditados, gargalhadas, ares, só paira o silêncio de quem espera. E já dizia Guimarães Rosa  "Esperar é um atoa muito ativo!"
Eu me pergunto porque não se pode falar da morte
Ou do que passou?
Acordei lembrando como durante alguns anos, a ideia
de ter o poder de sumir em minhas mãos era empoderada e real.
E como, ao longo dos sumiços vivenciados, me fizeram acreditar que poderia ser
ilógico, irreal e irresponsável. Ora! Existe cuidado e zelo maior do que permitir-se
ir mesmo sem saber o que há quando se vai ao encontro do portal entre tudo e nada?
O portal do início do universo? O princípio?